Daniel Milazzo
Indignados com as declarações do ministro da Justiça, Tarso Genro, que propõe a revisão da Lei de Anistia, militares da reserva exaltam-se. Acusam-no de "revanchismo". Nesta quinta-feira, 7, integrantes das três Forças (Exército, Marinha e Aeronáutica) estarão reunidos à Av. Rio Branco, 251, sede do Clube Militar, para discutir a Lei de Anistia.
Além disso, surge a informação de que na ocasião seria apresentada uma lista de ministros de Estado e petistas ilustres com "passado terrorista". Encabeçada pelo ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, a suposta lista conteria, inclusive, o nome do próprio Tarso Genro.
Ministro da Justiça, Tarso Genro, quer a revisão da Lei de Anistia de 1979. Militares alegam que demanda do ministro atende a "mágoa pessoal"
O ministro da Justiça pede a revisão da Lei de Anistia, de 1979. Genro quer o julgamento e condenação dos acusados de tortura que atuaram durante a ditadura militar. Por sua vez, Nelson Jobim, ministro da Defesa, avalia que a Lei de Anistia "foi auto-suficiente" e qualquer outra discussão sobre o assunto cabe aos tribunais, não ao Executivo. A legislação permitiu a "auto-anistia", isentando também os torturadores de serem incriminados.
Presidente do Clube Militar, o general Gilberto Barbosa Figueiredo, desmente a existência da tal "lista de terroristas"...
- Não, não. Isso foi uma especulação divulgada pelo Estadão. A idéia não é essa...
Muito embora, sobre a exposição do general Sérgio Augusto de Avellar Coutinho, que ele classifica como "profundo conhecedor do que aconteceu naquela época"...
- É possível até que ele apresente uma ou outra foto lá, mas, com certeza, isso eu posso afirmar, que essa não vai ser a tônica da apresentação dele nem da dos outros (palestrantes), que são ligados à área jurídica - esclarece.
O general Figueiredo admite haver uma revolta da classe militar em função das recentes declarações de Genro:
- Tem os mais exaltados, outros menos. Mas o que predomina é um sentido de revolta contra o ministro (...) ninguém de bom senso acha que essa iniciativa do ministro vá dar em alguma coisa.
E endossa o coro...
- Só pode ser por revanchismo mesmo. É mágoa pessoal superando o que ele, como ministro de Estado, devia ver mais, que é o interesse brasileiro.
A seguir, confira a entrevista com o presidente do Clube Militar.
Terra Magazine - Como será o evento? Serão apresentadas fotos e minibiografias de líderes petistas?
Gilberto Barbosa Figueiredo - Não, não. Isso foi uma especulação divulgada pelo Estadão. A idéia não é essa, é debater. Tanto que a maioria dos palestrantes convidados é de juristas, que vão lá para discutir a lei, o alcance e as conseqüências da lei. Especificamente a Lei de Anistia. Um dos que vai fazer uma apresentação é o general (Sérgio Augusto de Avellar) Coutinho, um homem ultra-equilibrado e profundo conhecedor do que aconteceu naquela época do regime militar e da luta armada dos que então eram guerrilheiros. É possível até que ele apresente uma ou outra foto lá, mas, com certeza, isso eu posso afirmar, que essa não vai ser a tônica da apresentação dele nem da dos outros (palestrantes), que são ligados à área jurídica.
Mas foi publicada inclusive a ordem desta suposta lista de ex-guerrilheiros que seria apresentada.
Mas aquilo tudo é besteira. É especulação.
Como o senhor recebe essas críticas que o ministro da Justiça tem feito à Lei de Anistia. O senhor acha que é revanchismo?
R:Eu acho que deve ter uma certa dose de revanchismo sim. Mais do que isso, é uma mágoa pessoal que ele procura levantar acima do interesse brasileiro. Porque eu acho que o interesse brasileiro é de pacificação, é de ajuste, o que tem sido feito ao longo dos tempos, paulatinamente, pouco a pouco. Com entendimento. Hoje nós vemos pessoas que naquela época estavam em campos opostos, e opostos violentamente, com armas na mão, que hoje trabalham juntas. Acho que é esse processo que interessa para o Brasil.
O que ele (Tarso Genro) está tentando é um no sense, ele está querendo criminalizar um dos lados e o outro não, alegando que um dos lados cometeu um crime hediondo, que é a tortura etc etc. E eu concordo, eu também sou contra a tortura. Mas acontece que o outro lado cometeu crimes tão hediondos quanto.
O que solta uma bomba no meio do povo e mata aquele que ele quer matar e mais uma centena de inocentes, milhares de inocentes, isso também não é um crime hediondo? Também não é contra os princípios internacionais e condenáveis pelos tribunais internacionais? É lógico que sim. Então não vejo sentido em querer criminalizar apenas um dos lados. É uma pedra que foi levantada... Só pode ser por revanchismo mesmo. É mágoa pessoal superando o que ele, como ministro de Estado, devia ver mais, que é o interesse brasileiro.
Ou seja, ou perdoa a todos ou condena a todos?
R:A anistia não pressupõe nem perdão, pressupõe esquecimento. Esse é o sentido do termo anistia.
É o momento de retomar essa discussão?
R:Não, acho que não. Pois o caminho que estávamos seguindo era de convergência, de harmonização. Esse foi o sentido da Lei de Anistia.
Como os militares têm reagido a essa questão? Como estão os ânimos?
R:Tem ânimos de tudo quanto é jeito. Tem os mais exaltados, outros menos. Mas o que predomina é um sentido de revolta contra o ministro, mas apenas contra a atitude dele, porque ninguém de bom senso acha que essa iniciativa do ministro vá dar em alguma coisa. O ato dele em si é que tem causado revolta. O ministro Celso Melo (do Supremo Tribunal Federal) declarou que não vê como seria possível processar um dos lados sem revogar a lei, o que permitiria processar os dois.
Como o senhor recebeu as declarações do ministro da Defesa, Nelson Jobim, que defendeu a "auto-suficiência" da Lei de Anistia e avaliou que a punição ou não de torturadores cabe ao Judiciário, e não ao Executivo?
R:Ele colocou muito bem. Alguns acharam que essa expressão dele, de que isso é assunto para os tribunais, seria contra o interesse dos militares, mas eu acho que não. Numa democracia, tudo que há dúvida tem que ser decidido nos tribunais mesmo. O que ele falou é algo que é óbvio para uma democracia. Se houver contestação, se houver dúvida quanto à interpretação da lei, são os tribunais que têm que dirimir essa dúvida.
Na sua opinião, a tortura deve ser considerada um crime político ou um crime comum?
R:Ninguém pode defender tortura nem torturador. Eu acho um crime abominável. Mas esse crime, por pior que seja, houve uma lei que selou. Como têm que ser esquecidos outros crimes que também são terríveis, horrorosos, como o seqüestro, o assassinato frio. E acho que tem que ser esquecido mesmo, porque o sentido da lei foi de harmonização, de pacificação.
Terra Magazine
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